Anna Luiza Cardoso
Nesta terça de carnaval sem carnaval, o escritor Luiz Biajoni Conversa Com (A)Gente sobre sua obra, suas referências, o relançamento pela Storytel de ELVIS & MADONA, um dos primeiros romances LGBTQI+ da literatura brasileira, e seu mergulho no gênero italiano conhecido por giallo. Autor eclético e de produção extensa, Biajoni é uma voz a se ler e ouvir na literatura contemporânea.
VB&M: Você tem oito romances publicados e um inédito na gaveta, a maioria com elementos de narrativas policiais. Qual a sua relação com esse gênero?
LB: O primeiro romance que escrevi foi classificado como policial, mas eu não o vejo assim. Tem um crime, mas não tem uma investigação, sabemos de imediato quem são os criminosos – todo o romance fala sobre o comportamento das pessoas em relação ao crime: a imprensa marrom, a polícia corrupta e violenta, os políticos oportunistas e o povo, também sedento por sangue e “justiça”. Eu sempre gostei de romances policiais, assim como Borges, mas não pensava que escrevia algo do gênero, achava que estava mais conectado com Nelson Rodrigues. Depois vi que tinha Rubem Fonseca ali. Como o primeiro livro ficou bom, escrevi outros dois na mesma linha – embora sejam muito diferentes entre si na estrutura. Os três compõem A COMÉDIA MUNDANA. Depois, quando fui escrever ELVIS & MADONA a convite do diretor Marcelo Laffitte, vi que o roteiro do filme, de onde eu partiria, tinha elementos policialescos – e resolvi me concentrar neles, já que achei que não conseguiria escrever uma história de amor. Ficou uma mistura interessante. Aí eu decidi que não queria ser rotulado como escritor de policiais e escrevi A VIAGEM DE JAMES AMARO, que tem um crime mas este não é realmente importante para a trama. Depois de outros livros, me peguei pensando que, apesar de ter sido chamado de escritor de policiais, nunca tinha escrito um desses whodunit, um “quem matou?”, uma dessas tramas clássicas do gênero – e decidi arriscar.
VB&M: Apesar desse aspecto que liga toda a sua obra, esta é composta por livros com temáticas as mais variadas. O que o inspira a escrever e que tipo de histórias lhe parecem dignas de ser narradas?
LB: Todos os meus livros são completamente diferentes uns dos outros, embora eu acredite em uma unidade de estilo. Escritores têm ideias sobre tramas o tempo todo – e não é diferente comigo. Mas só quando eu percebo que a ideia é instigante, original, que ninguém escreveu algo muito próximo daquilo, é que me sento para escrever. No início, me pareceu urgente falar sobre a hipocrisia e as relações espúrias entre os poderes e a polícia em cidades pequenas. Também quis escrever ELVIS & MADONA pois era um momento em que a comunidade LGBT saía do armário. Em A VIAGEM DE JAMES AMARO quis fazer um exercício de autoficção para falar de racismo e preconceito. Em QUATRO VELHOS, quis falar sobre como a morte pode ser encarada com alguma suavidade. Em ALGUM AMOR, recém-lançado, o tema da pandemia me fez ver como a música e a literatura podem amenizar o sofrimento do isolamento e do distanciamento de quem amamos – e quis materializar isso em um romance.
VB&M: ELVIS & MADONA, romance originalmente publicado pela Língua Geral em 2010, sairá em áudio pela Storytel em edição comemorativa e revista. O romance foi um dos primeiros LGBTQI+ a ser publicados no Brasil, muito antes desse movimento ganhar força. O que mudou de lá pra cá, a seu ver, e o que faz com que E&M ainda seja tão atual?
LB: Amar é importante. Quando ELVIS & MADONA saiu, estávamos em um momento de grande agressividade contra LGBTs – ao mesmo tempo em que o movimento se afirmava, gerava uma onda contrária, com neopentecostais na dianteira prometendo a cura gay, além de malucos recalcados que atentavam contra a vida de pessoas que não se comportavam como eles achavam que deveriam. É o fascismo que estamos vendo aí hoje, ainda mais assumido, não é? O movimento LGBTQI+ teve e está tendo avanços importantes, mas a pressão contrária ainda existe, está aí e pior: institucionalmente. É preciso combater o ódio com o amor – e ELVIS & MADONA é uma ode ao amor. Acho que posso dizer que há dez anos, quando o escrevi, não havia uma concordância geral sobre alguns termos: era comum que se escrevesse “um travesti”, por exemplo, ao invés de “uma travesti”, melhor aceito hoje. Então, para a nova edição do romance, Amara Moira e Heloisa Andrade de Paula me ajudaram com esses ajustes para que a história de amor ficasse ainda mais livre de preconceitos.
VB&M: Você é o senhor das referências: Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, o gênero italiano conhecido como Giallo. Como trazer suas leituras para dentro de sua obra sem contaminá-las pelo estilo daqueles que te influenciam, mas deixando clara a referência que exercem sobre o texto?
LB: Bem, ninguém precisa ter lido Nelson ou Rubem ou ter visto um filme Giallo para entender qualquer um dos meus livros, não, não. Isso é importante: tento ser o mais claro possível quando escrevo; uso a linguagem para que qualquer leitor entenda o que está acontecendo. Tem níveis e subtextos que o leitor com mais informação e exigência pode alcançar, claro, mas não escrevo exclusivamente para esse leitor. Um pesquisador da obra de Nelson Rodrigues escreveu um artigo uma vez falando sobre os nomes dos meus personagens em A COMÉDIA MUNDANA, sobre como eles se relacionavam com personagens com os mesmos nomes ou nomes parecidos em “A vida como ela é” e em outros livros do Nelson e eu ri muito com aquilo pois não foi algo consciente, não pensei naquilo em nenhum momento enquanto escrevia. Quem conhecer jazz vai ter uma experiência mais interessante ao ler A VIAGEM DE JAMES AMARO, mas quem não souber absolutamente nada sobre o gênero musical vai entender a história e sobre o que eu estou falando. Não curto, em absoluto, os hermetismos.
VB&M: Seu novo romance, ainda inédito, O CRIME NO EDIFÍCIO GIALLO, resgata o tema clássico do “quem matou” trazendo várias referências ao gênero italiano, a começar pelo nome do edifício no título do livro. Qual sua relação com esse gênero e por que trazê-lo para a literatura brasileira?
LB: Gosto da fusão de mistério, suspense sobrenatural e policial que a literatura e o cinema apelidado de Giallo oferecem. Assisti dezenas de filmes desse gênero durante a pandemia e resolvi escrever uma história com esse clima – apenas por ser algo que acho que nunca foi feito por aqui, não encontrei nada parecido, e pelo desafio. É um livro que destoa de meus outros, mas gostei bastante de tê-lo escrito.
VB&M: O que você está escrevendo agora?
LB: Estou escrevendo a história real de uma clínica psiquiátrica que trabalha com uma abordagem diferente da loucura e dos seus aspectos. É um livro que vai demorar um bom tempo para ser escrito – enquanto isso, escrevo um noir chamado “Michelle”, que tem trilha sonora de “Rubber Soul”, dos Beatles.