Luiz Biajoni lança seu sétimo livro amanhã, dia 17, a partir das 19h, na Livraria Martins Fontes da Vila Buarque, em São Paulo. Para marcar o lançamento pela Rua do Sabão, ele Conversa Com (A)Gente sobre o novo romance, O CRIME NO EDIFÍCIO GIALLO, uma homenagem ao gênero de romances policiais que ficou conhecido na Itália pelas capas amarelas – gialli – da série. No papo com Anna Luiza, ele comenta a referência, sua pesquisa, as relações do universo Giallo com o Brasil atual e a ideia da trilha sonora composta para o livro. Fala ainda sobre seu romance ELVIS & MADONA, um clássico da literatura LGBTQIA+ brasileira relançado pela Bazar do Tempo no ano passado. Perguntado sobre o estranhamento causado em editores estrangeiros por sua heterossexualidade, ele faz enfática defesa dos Simpatizantes, da antiga sigla GLS: “Antes da sigla LGBT, houve a sigla GLS – Gays, Lésbicas e Simpatizantes. Hoje, a sigla se expandiu e é LGBTQIA+, nomeando todo espectro da sexualidade não-normativa – mas esqueceram dos Simpatizantes. A comunidade deveria ter uma consideração maior pelos Simpatizantes.”
VB&M: O CRIME NO EDIFÍCIO GIALLO é uma homenagem ao gênero de romances policiais italianos iconizados pelas capas amarelas entre os anos 60 e 80. O que o atrai especialmente no gênero? E por que trazer o Giallo para a literatura brasileira de 2022?
LB: Procuro sempre fazer algo diferente em meus livros. Apesar de achar que desenvolvi certo estilo, todos são completamente diferentes uns dos outros. Não achei que fosse voltar ao gênero policial; pensei ter esgotado o que podia fazer com “A Comédia Mundana” e burilado a fórmula em “Elvis & Madona”. Também nunca pensei em escrever um whodunit – existem tantos por aí, derivados de Agatha Christie e Conan Doyle; livros que não acrescentam muito, são como passatempos. Porém, durante a pandemia, comecei a assistir esses filmes italianos de suspense e terror, que formam o gênero Giallo. Na literatura, esse gênero é praticamente desconhecido no Brasil – embora exista há 90 anos na Itália. Pensei: taí, talvez eu possa escrever um Giallo – e a coisa foi tomando forma.
Outras coisas acabaram se juntando no processo. A Itália é o berço do fascismo e um país bastante machista e isso se reflete um pouco nos filmes. Vivendo no Brasil de hoje, defini que o livro tinha que ter uma aura antifascista e talvez discutir um pouco a sociedade atual. Claro que isso tinha que ser através da metáfora e da alegoria e foi um desafio criar essa trama com o suspense e o toque sobrenatural, característicos do Giallo, a tensão do whodunit, e a crítica social. Precisava funcionar para o leitor comum e ter níveis de leitura diferenciados para quem conhece os gêneros – por isso, foi o livro que mais submeti a leitores beta. Quando percebi que o livro empolgava e fazia pensar, soube que tinha conseguido.
VB&M: De nossas conversas, sei que você mergulhou profundamente no universo Giallo para escrever o romance, empreendendo uma extensa pesquisa literária e audiovisual do gênero. Vêm mais livros por aí? A ideia é escrever uma série de gialli brasileiros ou foi uma onda pandêmica de um romance só?
LB: Não posso dizer que não escreverei outros livros do gênero, mas, para mim, o nascimento de um novo projeto está sempre atrelado a algo novo a dizer. Não me vejo escrevendo outro Giallo apenas para divertir os leitores – nada contra, mas quero escrever livros que acrescentem alguma coisa… No momento, trabalho em um novo romance policial – mas, dessa vez, trata-se de uma espécie de noir tropical, uma ideia que tenho há cerca de 30 anos e nunca desenvolvi a contento. Chama-se “Michelle” e tem como inspiração o disco “Rubber Soul”, dos Beatles.
VB&M: O Edifício Giallo, a meu ver grande protagonista do romance, representa um microcosmo do Brasil atual, com todas as suas nuances, neuroses, hipocrisias e seus preconceitos. Você quis fazer esse retrato da sociedade brasileira ou foi uma consequência dos tempos intensos que estamos vivendo?
LB: Desde o início pensei o Edifício Giallo como esse microcosmo da hipocrisia, mas achei que ia ter que me ater muito às histórias dos moradores, tornando o romance enfadonho para os leitores. Então estreitei o foco para uma única família, a família vizinha ao morador incômodo. Uma única família pode ser o microcosmo de uma sociedade; servir de metáfora para a hipocrisia, a neurose, os preconceitos de toda a sociedade.
VB&M: E como é essa história de o livro ter uma trilha-sonora?
LB: As trilhas-sonoras são importantes nos filmes Giallo e enquanto eu escrevia o livro pensava que determinado trecho poderia ter uma música de fundo. Bem, por que não? Por coincidência, me deparei com um disco estranho no Youtube, ouvi um pouco e pensei: ei, essa pessoa podia compor uns climas para o livro! Entrei em contato com ele, Valter Gerlack, que assina como Perpetomobila. Ele topou na hora, mesmo sem conhecer os filmes ou as trilhas – fez também uma imersão e aí fomos criando, juntos, tema por tema para trechos específicos do livro. Ao final, tínhamos um conjunto que era ao mesmo tempo original e uma homenagem às trilhas consagradas, de nomes como Ennio Morricone, Pino Donaggio e a banda Goblin. Levei a ideia para a editora Rua do Sabão e criamos um sistema de QRCodes ao longo do livro para que o leitor aponte o celular e possa ouvir a trilha para o trecho. Acho que é algo inédito, completamente novo não só no Brasil. Ficou incrível.
VB&M: Seu último romance publicado, ELVIS & MADONA, relançado pela Bazar do Tempo no ano passado, é um clássico da literatura LGBTQIA+ brasileira. Ao apresentar o livro nas feiras internacionais, é comum os editores estrangeiros expressarem estranhamento por você se definir como ele/dele e ser o autor desse livro. O que você diria a eles sobre isso?
LB: Antes da sigla LGBT, houve a sigla GLS – Gays, Lésbicas e Simpatizantes. Hoje, a sigla se expandiu e é LGBTQIA+, nomeando todo espectro da sexualidade não-normativa – mas esqueceram dos Simpatizantes. A comunidade deveria ter uma consideração maior pelos Simpatizantes. Durante toda minha vida tive amigos e amigas gays, vi gente sofrer e morrer, fui jovem durante o surgimento da AIDS, tenho gays e não-normativos na minha família e me vejo com total lugar de fala para contar uma história gay. Quando o livro e o filme surgiram, há 12 anos, fomos boicotados por parte da comunidade: achavam que éramos exploradores de um filão, queríamos o Pink Money. O tempo mostrou que não era nada disso: livro e filme foram importantíssimos para muitos jovens que se reconheceram, se aceitaram, saíram do armário, escolheram ser felizes depois de ler o livro ou ver o filme – recebo relatos constantemente, leitores me agradecem por tê-lo escrito… Como digo: não preciso ter matado alguém para escrever um livro de crime nem ido ao espaço para escrever uma ficção científica.
Fizemos essa nova edição com tanto cuidado e amor para que o livro chegasse às novas gerações que me espanta alguém se preocupar com minha heterossexualidade em relação ao livro – como um pai amoroso, tenho total orgulho do meu filho gay.