OS DEFUNTOS DE GRACILIANO RAMOS

Maurício Gomyde, autor de CIDADÃO DE BEM (Qualis, 2020), TODO O TEMPO DO MUNDO (Astral, 2018) e SURPREENDENTE! (Intrínseca, 2015), divide conosco sua Frase Sublinhada em edição de 1949 de “Angústia”, de Graciliano Ramos (José Olympio), autografada pelo grande autor. Para Maurício, uma verdadeira aula de criação de personagem: “O fluxo de consciência interminável e angustiante do narrador Luís da Silva, solitário e insatisfeito com a vida, mistura, em doses perfeitas, introspecção e crítica social. Foi lançado em 1936, enquanto Graciliano era preso político do Estado Novo, nos calabouços da repressão e sob a Lei de Segurança Nacional, de 1935. O trecho escolhido é uma amostra da imensa força imagética da narrativa desse que é um dos maiores escritores de todos os tempos.”

“Defuntos não me comovem. Na vila apareciam muitas pessoas acabadas a tiro e a faca. Habituei-me a vê-las de perto. Por fim não me produziam nenhum abalo. Quando a rede apontava na extremidade da rua, os punhos amarrados num pau que dois caboclos aguentavam nos ombros, eu saltava para a calçada, curioso de ver a cor do pano que vinha em cima. Se era branco, o cortejo passava perto de mim, entrava no beco, dobrava o Cavalo-Morto e seguia para o cemitério. Isto não me despertava interesse. As redes que transportavam indivíduos mortos em desgraça eram cobertas de vermelho e iam pelo outro lado da praça, dirigiam-se à cadeia. Escapulia-me. Nenhum constrangimento. Tornei-me insensível. Cinquenta estocadas no peito e na barriga! Muito bem.”