FEMINISMO CIENTÍFICO

Anna Luiza Cardoso

Dizer que o feminismo é tendência, além de esvaziar de certa forma o conceito, não representa qualquer novidade em 2020. Mas é impossível analisar o mercado editorial neste ano pandêmico sem comentar a força avassaladora com que as narrativas feministas o tomaram no mundo inteiro. Absolutamente todos os catálogos de clientes estrangeiros que representamos para o Brasil trazem pelo menos um título potente nessa seara. É bom que tem feminismo para todos os gostos e estilos, e uma linha importante é a nova produção científica a respeito da mulher – na arqueologia, na biologia e em outros campos.

Nas últimas semanas, o livro que tem atraído todas as atenções Lá Fora é o ensaio-manifesto L’HOMME PRÉHISTORIQUE EST AUSSI UNE FEMME (O homem pré histórico é também mulher, em tradução livre), publicado na França pela Allary no comecinho de outubro e já vendido para a Lumen na Espanha. Nele, a geóloga Marylène Patou-Mathis desconstrói o imaginário que temos da pré-história segundo a qual já naquele contexto a mulher exercia um papel social doméstico e inferior ao masculino. O equívoco até hoje tido como fato é fruto da lógica patriarcal vigente no século XIX, quando foram iniciados os primeiros estudos sobre o período, que deturpou absolutamente tudo, mas nesse caso, em especial, a forma de se analisar a função social da mulher pré-histórica.

Segundo a autora, não há absolutamente nada que prove que as mulheres não exerciam as funções tidas como masculinas ou que não estivessem em pé de igualdade com os homens na sociedade. Ao contrário, a crescente presença feminina na arqueologia contemporânea tem obtido provas cada vez mais incontestáveis de que a mulher pré-histórica podia tanto quanto ou mais do que o homem; até porque, além de estar à sua altura, ela ainda gera vida. E isso, sim, é poder.

Marylène Patous-Mathis nos convida a reconstruir o papel da mulher na História partindo de um preceito muito simples, mas ao mesmo tempo nada óbvio, que muda por completo a maneira de compreender a trajetória do feminino ao longo dos tempos. É preciso enfrentar preconceitos, injustiças e barreiras não só na vida vivida como na maneira que a existência feminina é contada. Patous-Mathis toma de volta uma narrativa que faz tempo foi roubada das mulheres e a devolve a quem de direito.