A ORDEM DO SAMBA

As reflexões e ideias do romancista, ensaísta e sambista Alberto Mussa são sempre originais, surpreendentes e iluminadoras. Mais uma prova: esta entrevista, que reinaugura o blog da VB&M, a propósito da nova edição atualizada de seu livro com Luiz Antonio Simas, SAMBA DE ENREDO – HISTÓRIA E ARTE (Civilização Brasileira), um clássico dos estudos carnavalescos, publicado originalmente em 2010. Destaque para uma resposta a propósito dos blocos tocando funk em vez de marchinhas, depois de nosso Beto dizer que detesta carnaval de rua e baile carnavalesco: “Detesto desordem. Detesto alienação. Carnaval de bloco é carnaval alienado, típico do carnaval católico, que promove a insubordinação e a transgressão. … O Rio de Janeiro pratica a insubordinação e a transgressão o ano inteiro. Não precisa do carnaval para isso. Logo, na data em que a ordem geral é revirada ao avesso, a cidade promove o desfile das escolas de samba — que tem ordem, princípio, estrutura; que não é o oposto da alienação, porque é feito para a emoção e o pensamento. Carnaval para mim é escola de samba. Nada mais.”

​VB&M: Seu livro com Luís Antônio Simas, quando publicado em 2010, lançou uma crítica contundente à desvalorização do samba – musicalmente falando – no grande espetáculo cultural dos desfiles das escolas no Rio de Janeiro. Nos últimos 13 anos, parece que o samba deu a volta por cima, e música boa foi revelada pelas escolas. A pergunta é: o trabalho de vocês foi lido, acolhido e ouvido? Ou foi profético? Qual papel social atribui a sua obra com Simas?

AM: Acho que tudo começou com nossa disputa no Salgueiro em 2008, para o carnaval de 2009. Eu, Simas e Edgar Filho concorremos com um samba de estilo mais clássico, que ia na contramão de tudo o que então estava sendo feito. O samba perdeu, mas gerou uma tremenda discussão nos fóruns de escola de samba. A partir daí, foram artigos em jornais, textos em sites de carnaval e o lançamento do livro — tudo isso com a crítica a que você se referiu.

O foco do livro especificamente, contudo, não era a análise da produção da época, mas propor uma introdução à história do samba de enredo, em termos sociais e estéticos.

Mais do que a percepção do baixo nível artístico que dominou as composições entre 1990 e 2009, a grande contribuição do livro, me parece, é esse esboço da história do samba de enredo, com destaque para a análise da inserção social do sambista, da originalidade do samba de enredo como gênero épico surgido em ambiente urbano, etc.

VB&M: Qual a importância de uma nova edição atualizada desse clássico da literatura carnavalesca? Pode adiantar um pouco do novo conteúdo dessa edição 2023 da Civilização Brasileira?

AM: A mais imediata é que o livro estava praticamente esgotado. E a demanda pelo título continuava grande. Hoje há muita gente jovem envolvida com escolas de samba e o samba de enredo está atraindo cada vez mais público. Estamos num viés de retomada da importância e da vitalidade que o gênero viveu nas décadas de 70 e 80.

Além de algumas correções, a nova edição traz um balanço da última década, com ênfase nos problemas e nas melhoras ocorridas no período.

VB&M: Uma pergunta mais pessoal: como você se sente ao ver passar blocos carnavalescos tocando funk ou MPB? Tranquilo, pela inevitabilidade das transformações que vêm com a passagem do tempo, ou melancólico? Eu, Luciana fazendo as perguntas, devo dizer que fico muito desconfortável e triste, com saudade das marchinhas.

AM: Bem, sendo sincero, detesto carnaval de rua e baile carnavalesco. Detesto desordem. Detesto alienação. Carnaval de bloco é carnaval alienado, o típico de carnaval católico, que promove a insubordinação e a transgressão. Detesto isso.

E posso explicar: a cidade do Rio de Janeiro pratica a insubordinação e a transgressão o ano inteiro. Não precisa do carnaval pra isso. Logo, na data em que a ordem geral é revirada ao avesso, a cidade promove o desfile das escolas de samba — que tem ordem, princípio, estrutura; que não é o oposto da alienação, porque é feito para a emoção e o pensamento.

Então, me é completamente indiferente o que se canta ou grita nesses blocos. Carnaval pra mim é escola de samba. nada mais.

VB&M: Qual sua expectativa para o Carnaval deste ano?

AM: As melhores possíveis. Voltamos à normalidade. Estamos no mês próprio, na data certa para a realização da festa. Os problemas financeiros de grande parte das escolas são os mesmos de todos os anos, mas a gente sabe que quanto mais adversa é a situação mais os componentes se superam.

Além disso, há bons enredos. Os bons enredos são a base de tudo. Mesmo quando os sambas não são tão bons (e esse ano a safra não é das mais felizes), é possível ver desfiles bonitos e emocionantes.