Luiz Biajoni, autor de ELVIS & MADONA (Bazar do Tempo), recomenda no blog o lançamento de Amara Moira, “Neca + 20 Poemetos Travessos” (O Sexo da Palavra).
“Neca + 20 Poemetos Travessos”, de Amara Moira, acaba de sair pela editora O Sexo da Palavra. A primeira metade do volume, em formato pequeno e simpático, de 70 páginas, tem “Neca”, uma versão revista e ampliada do monólogo de uma prostituta travesti com palavras e expressões em pajubá. A primeira versão de “Neca” apareceu na antologia “A Resistência dos Vagalumes”, publicada pela Nós em 2019. Desde então, Amara vem revisando e ampliando o texto, na intenção de transformá-lo em uma espécie de “Grande Sertão: Veredas” da literatura queer ou ainda em um “Ulisses”, de James Joyce – autor que foi objeto de sua tese de doutorado em literatura. No lugar dos neologismos de Joyce, entra o pajubá, que é a língua das travestis, das ruas, um dialeto meio impenetrável para a maioria das pessoas. Assim deve ser, já que pajubá significa segredo em iorubá: é a maneira como as travestis se comunicam sem serem entendidas por quem não seja do meio. Então, “Neca” acaba sendo uma espécie de desafio para quem não é do meio. E essa é a diversão.
Eu conhecia muito pouco do pajubá quando escrevi ELVIS & MADONA (Bazar do Tempo), basicamente expressões que tinham caído no uso popular, como bofe, cheque, carão, mona, Elza ou Paulo Otávio. Tive que pesquisar um pouco e confesso que segurei para não colocar muito pajubá em meu livro, pois a ideia era que ele chegasse ao maior número possível de pessoas e, há dez anos, quando saiu a primeira edição, nem mesmo na internet era possível encontrar explicações para as expressões. Hoje, muitas delas são de uso até corrente por todos, como o passada!, que está na boca de todos no Instagram ou no Tik Tok. Isso torna “Neca” uma aventura literária divertida de adivinhação, dedução, busca e pesquisa. Porém, revelado o texto através do pajubá, o que Amara conta ali pode chocar os mais pudicos – são experiências de sexo e prostituição com muitos fluídos, excrementos e situações, digamos, nojentas. Então, o que torna “Neca” interessante é justamente isso: a fala em uma língua, que se comunga com a nossa, mas temos que perscrutar – e nos parece muito divertida e debochada – enquanto nos conta, aos mesmo tempo, cenas e situações que muitos podem achar bem desagradáveis. Aí temos, então, um dos mais inusitados e originais livros lançados neste ano no Brasil.
A segunda parte de “Neca” tem os 20 poemetos travessos, e achei interessante como eles são bem mais suaves. A maioria é de uma época de descobertas de Amara, então os temas do espanto e da dúvida se impõem. Espanto e dúvida que podem ser os mesmos dos leitores.
“Neca” vale a pena – e para que todos saibam, em pajubá, neca é pênis.