Responsável pelo Departamento de Direitos do belo catálogo da editora britânica Atlantic Books, que a VB&M representa para o Brasil, Alice Latham CONVERSA COM (A) GENTE sobre sua formação e sua carreira no mundo do livro, apresentando de maneira simpática mas sintética, com objetividade, alguns dos títulos mais fortes e fascinantes da lista que ela representa para o mundo. Com o gancho da venda para André Marinho, na Trama, dos direitos brasileiros da série de policiais de Kate London, iniciada com POST MODERN, cuja adaptação como The Tower está fazendo sucesso em streaming em vários países, ela comenta o impacto do audiovisual sobre o destino das obras literárias. Discorre também sobre a digitalização das relações na indústria do livro e revela esperança na volta das feiras e outros eventos presenciais: “Tive sorte de não estar iniciando agora minha carreira no mercado editorial. É muito mais fácil marcar uma reunião virtual com pessoas que você já conhece e que sabe como entrar em contato para um projeto específico. O mercado editorial é baseado em relações duradouras e deve ser muito desafiador começar a construir esses relacionamentos em um mundo virtual.”
VB&M: O que a atraiu para a área de Direitos Subsidiários e de Tradução? Qual é a parte mais agradável da sua atividade profissional? Qual é o aspecto mais entediante ou irritante?
AL: Eu estudei Letras na universidade e entrei para Direitos Estrangeiros com a ideia de que daqui passaria para a área editorial. Depois de curto período, me dei conta de que seria uma péssima editora, mas eu gostava muito de trabalhar com direitos e era uma área na qual eu me encaixava. Sem perceber, consegui encontrar um trabalho que combina dois dos meus passatempos favoritos – ler e viajar.
A parte mais agradável dessa atividade é conhecer tantas pessoas diferentes de várias partes do mundo, apresentando novos livros e ideias e ouvindo suas respostas. Viajar também é um aspecto maravilhoso propiciado pela área de direitos numa editora, e espero que essa parte da atividade volte a acontecer em breve.
Como esperado, todo trabalho na área editorial envolve muitas tarefas administrativas. Pessoalmente, fico muito frustrada com os certificados fiscais. São vitais para que os adiantamentos dos autores sejam pagos, mas pode ser um processo longo e burocrático para receber esses certificados das instâncias fiscais ao redor do mundo.
VB&M: Qual ou quais livros do catálogo da Atlantic lhe proporcionaram maior gratificação nos últimos tempos?
AL: Em junho do ano passado, publicamos um romance de estreia da autora americana Emily Austin, EVERYONE IN THIS ROOM WILL SOMEDAY BE DEAD (Todo mundo nesta sala algum dia estará morto). Com esse título, é fácil pensar que se trata de um thriller sangrento, mas na verdade o livro é uma narrativa bem humorada de uma jovem, Gilda, aprendendo a lidar com suas muitas ansiedades sociais, com o amor, a amizade e a aceitação. Austin escreve com tanta sensibilidade e gentileza sobre questões de saúde mental; e penso que em 2021 (e em 2020) estivemos todos precisando dessa gentileza e compreensão. É o que esse livro oferece.
VB&M: Quais livros estão gerando as maiores expectativas para 2022/2023?
AL: Para publicação em 2023, temos uma estreia empolgante de Priya Guns, YOUR DRIVER IS WAITING (Seu motorista está esperando). É um re-boot de “Taxi Driver”, mas como se Travis Bickles fosse uma jovem de cor. Priya aborda temas políticos importantes como raça, classe, gênero e sexualidade com bom humor. É uma jornada e tanto. No final do ano passado, a Doubleday adquiriu os direitos de língua inglesa na América do Norte, e a Aufbau vai publicar na Alemanha. Há um alto nível de interesse nos direitos de adaptação para o cinema, uma vez que a história parece ser exatamente o que os produtores, adaptadores e roteiristas estão procurando.
Também temos uma estreia de William Friend, BLACK MAMBA. Na Grã-Bretanha, vemos uma mini tendência de horror “de qualidade”. Não são livros de horror no sentido tradicional, mas histórias com elementos sobrenaturais. Em BLACK MAMBA, a trama começa com Alfie e suas filhas gêmeas logo após a morte da mãe, e o que parece ser um amigo imaginário se revela cada vez mais sinistro e expõe segredos de família há muito enterrados. Friend escreve lindamente sobre a natureza do luto e seguramente está iniciando uma interessante carreira literária.
Na não-ficção, publicaremos em setembro TWENTY-FIRST CENTURY TOLKIEN, do professor Nick Groom. O livro será uma celebração de J. R. R. Tolkien e sua relevância perene no turbulento século XXI. O lançamento está marcado para coincidir com o 85º aniversário de “O Hobbit” e a estreia da nova série da Amazon sobre “O Senhor dos Anéis”. Será a leitura perfeita para as legiões de fãs do Tolkien ao redor do mundo.
VB&M: Quais títulos do catálogo da Atlantic você pensa que estejam mais faltando para o leitor brasileiro?
AL: A Atlantic tem muitos vencedores do prêmio Booker no catálogo. Infelizmente não fomos a editora britânica de “The Promise”, de Damon Galgut, o vencedor do ano passado, mas temos muito orgulho de ter publicado seus livros anteriores, e THE GOOD DOCTOR, finalista do Booker, é um romance que clama para ser lido novamente. Com o pano de fundo de um hospital na região rural de uma África do Sul pós-apartheid, a trama acompanha a amizade improvável de Laurence e Frank em meio a um ambiente em constante mudança.
Acho que mencionei mais ficção do que não-ficção, mas é válido destacar que a Atlantic publica títulos fortes e provocativos nesse segmento. Muitos têm foco na Grã-Bretanha, mas publicamos um best seller em 2020 que poderia interessar aos leitores brasileiros, WHY THE GERMANS DO IT BETTER: NOTES FROM A GROWN-UP COUNTRY (Por que os alemães fazem melhor: notas de um país que chegou à idade adulta). Lançado com uma pontada de humor, para a nossa surpresa, o livro foi muito bem aceito pelos leitores britânicos e saiu até na Alemanha.
VB&M: Por favor, nos conte sobre os thrillers POST MORTEM e DEATH’S MESSAGE, de Kate London, adaptados para a série de TV “The Tower” e vendidos para o Brasil no final do ano passado para o editor André Marinho na Trama. Na sua experiência, qual impacto se pode esperar de uma adaptação audiovisual na carreira de um romance?
AL: A série foi ao ar na Grã-Bretanha em novembro, a próxima temporada já começou a ser produzida e, particularmente, a escalação de Gemma Wheelan (Yara Greyjoy, Game of Thrones, Geraldine, Killing Eve) para o papel da detetive Sarah Collins foi muito bem recebida. Como resultado da série, além do Brasil, vendemos os direitos do livro para tradução na Alemanha (Lübbe) e na Espanha (Trini Vergara), e a Recorded Books adquiriu os direitos de áudio para o espanhol.
Na Atlantic temos um caso exemplar do impacto que uma produção dramática pode ter no sucesso de um romance. Publicamos a edição original de “Me chame pelo seu nome”, de André Aciman, em 2008, aclamado pela crítica, mas sem grandes vendas época. O lançamento do belo filme de Luca Guadagnino em 2017 catapultou a edição do romance com a capa tie-in para as listas de mais vendidos e até hoje o livro de Aciman é um dos maiores sucessos da editora, alcançando centenas de leitores a cada semana.
VB&M: Pessoalmente, o que você gosta de ler? Quais são os livros que moldaram a forma como você vê a vida, o trabalho e a literatura?
AL: Meus livros favoritos de todos os tempos são “Sul da fronteira, oeste do sol”, de Haruki Murakami, e “I Capture the Castle”, de Dodie Smith — dois romances muito diferentes entre si, mas ambos lidam com o tema da frustração amorosa. Acho que sou atraída por histórias de amor incompletas.
No geral, costumo ler mais ficção literária e comercial. Por causa do meu trabalho, também leio muita tradução. Nesse momento da minha vida, tenho dado preferência a autoras ou livros com uma protagonista forte ou com um elemento revisionista. Adorei “O silêncio das mulheres”, de Pat Barker; “The Wife”, de Meg Wolitzer; e, mais recentemente, “Matrix”, de Lauren Groff.
Na não-ficção, gosto de biografias. Ano passado, gostei muito de ler “Parisian Lives”, em que Deirdre Bair reúne suas memórias de quando escreveu as biografias de Simone de Beauvoir e Samuel Beckett. Li também “You Are Beautiful and You Are Alone”, biografia da cantora e modelo alemão Nico, assinada por Jennifer Otter Bickerdike. No momento estou lendo “Miss Dior: A Story of Courage and Couture”, de Justine Picardie.
O livro mais inspirador que já li, completamente diferente de todos que citei acima e que eu mais recomendo, é “Um cavalheiro em Moscou”, de Amor Towles. É o livro mais engraçado, inteligente e instigante que você poderia encontrar. Ler também tem que ser prazeroso e divertido. Nenhum livro pode proporcionar mais prazer e diversão do que esse.
VB&M: Vamos nos encontrar na Feira de Londres em abril, ou você está perdendo a esperança de que voltaremos a comparecer a eventos presenciais? Sente saudade, ou já está completamente adaptada às relações profissionais online?
AL: Eu espero muito que nós possamos nos encontrar na Feira de Londres. Consegui comparecer à Feira de Frankfurt em outubro de 2021 e estou muito feliz por ter ido. Foi uma versão muito menor do evento como o conhecemos, mas ainda assim maravilhoso poder conversar com os colegas pessoalmente.
Penso que as reuniões virtuais têm sido muito úteis nos dois últimos anos, mas não substituem as reuniões presenciais. As virtuais são mais focadas, é claro, mas perdemos muitas das informações incidentais que vêm à tona nas conversas ao vivo e que poderiam ser cruciais para fechar uma negociação com um editor.
Tive sorte de não estar iniciando minha carreira no mercado editorial agora. É muito mais fácil marcar uma reunião virtual com pessoas que você já conhece e que sabe como entrar em contato para um projeto específico. O mercado editorial é baseado em relações duradouras e deve ser muito desafiador começar a construir esses relacionamentos em um mundo virtual.