FICÇÃO ENGAJADA QUE VEIO PARA FICAR

A parceiríssima cliente e coagente Ella Sher, fundadora de The Ella Sher Literary Agency, é quem Conversa Com (A) Gente esta semana. Italiana, casada com português e residente na Espanha por anos a fio, agora vivendo em Lisboa, Ella é poliglota e fala perfeitamente os três idiomas, além do inglês, tendo respondido a esta entrevista em seu charmoso português com sotaque espanhol. A agente representa para a Espanha e o mundo um catálogo de ficção hispânica de ponta, basicamente feminina, muito feminista e engajada política e socialmente; no Brasil por intermédio da VB&M _ um catálogo que ficou muito quente nos últimos dois anos. Também atua como coagente, representando a lista da VB&M, entre outras, para Espanha, Itália e Israel. Ella Sher diz que prefere acreditar que esse renovado interesse por seu catálogo não seja simplesmente uma moda: “O medo das modas é que passam, gosto de pensar que esse tipo de literatura mais engajada politicamente e socialmente veio para ficar.” Ela discorre sobre seus livros recém-contratados ou já saindo no Brasil este ano _ A CASA DO PAI, da basca Karmele Jaio, recém publicado pela Instante; OUTRA NOVELINHA RUSSA, do chileno Gonzalo Maier, no prelo da Dublinense; A TIRANIA DAS MOSCAS, da cubana Elaine Vilar Madruga, e MUDAR DE IDEIA, de Aixa de la Cruz, comprados pela Instante e pela Ayiné, respectivamente; e LAS MADRES, NO, de outra basca, Katixa Agirre, na programação da Primavera Editorial. Ella indica as leituras que mais a impactaram em cada um de seus três principais idiomas e suas autoras favoritas no catálogo da VBM.

VB&M: Quando, como e com quais critérios você decidiu abrir The Ella Sher Literary Agency?

ES: Foi em 2010, depois de trabalhar num grande grupo editorial em Barcelona. Já tinha trabalhado em outras agências antes, e a mudança para o departamento de direitos de autor da editora fez-me notar claramente o quanto eu gostava mais de relacionar-me com os autores diretamente. A decisão foi bem ponderada, acho que foi mesmo durante um ano inteiro que pensei em como e o que fazer, quais autores e quais clientes gostaria de ter, como iria organizar o trabalho… A filosofia vigente na agência é, sobretudo, uma: que haja confiança e cumplicidade recíproca entre os autores e autoras e a agência. E o maior objetivo é representar livros de autores e autoras nos quais creio 100%.

VB&M: Como define sua lista de clientes – autores individuais e editoras que você representa em vários países para diferentes territórios?

ES: Acho que, em termos gerais, podemos dizer que é uma lista literária, seja no caso das editoras e agências que representamos, seja no caso dos autores diretos. Em alguns casos específicos, representamos livros mais comerciais.

VB&M: A quais territórios é mais fácil vender os direitos de tradução de seus livros? Quais os mercados mais difíceis?

ES: Estou a notar uma coisa que há poucos anos nunca teria acontecido. Vejo que o mercado em língua inglesa é (relativamente) ue mais se abriu em termos de traduções. Há obras de autores espanhóis e portugueses cujos direitos conseguimos vender para editoras inglesas e americanas, e nunca isso acontecia com tanta frequência como agora. Cada mercado tem alguma dificuldade, mas, dependendo do livro, é possível chegar a mercados que podem parecer mais fechados. Um exemplo é LA ESPAÑA VACÍA, do Sergio del Molino, um ensaio lindo e interessante demais, que vendemos para tradução para a língua chinesa, por exemplo, entre muitas outras vendas.

VB&M: Nesta temporada de “Frankfurt virtual”, quais são os destaque do seu catálogo?

ES: Gosto sempre de falar e apresentar livros que não são necessariamente “novidades”, como LAS MADRES NO, de Katixa Agirre, LA CASA DEL PADRE, de Karmele Jaio, ou CAMBIAR DE IDEA, de Aixa de la Cruz, todos eles vendidos para o Brasil graças à VB&M! Mas se tivesse mesmo de concentrar em poucos títulos (os que vemos que estão recebendo mais interesse da parte dos editores estrangeiros), estes seriam: LOS ESTRAÑOS, de Jon Bilbao, LOS NOMBRES PRÓPRIOS, de Marta Jímenez Serrano, LECTURA FÁCIL, de Cristina Morales (Prêmio Nacional de Narrativa) e LA PIEL, de Sergio del Molino.

VB&M: Você sempre representou uma ficção espanhola de ponta, quase vanguardista, não só mas bastante feminina, engajada politicamente e socialmente. Essa ficção, que era difícil de “colocar”, de repente ficou muito quente; só no Brasil em 2021 fechamos os contratos de CAMBIAR DE IDEA, de Aixa de la Cruz, LA CASA DEL PADRE, de Karmele Jaio, LAS MADRES NO, de Katixa Agirre, três autoras bascas, e LA TIRANÍA DE LAS MOSCAS, da cubana Elaine Vilar Madruga (sem falar de OUTRA NOVELINHA RUSSA, de Gonzalo Maier, bendito fruto nessa lista, já para sair pela Dublinense). Como você explica o fenômeno e qual a expectativa de duração dessa tendência?

ES: O medo das modas é que elas passam, gosto de pensar que esse tipo de literatura mais engajada politicamente e socialmente veio para ficar. Noto que é um tipo de narrativa que na Espanha está adquirindo um poder abrangente enorme e que, por exemplo, na Itália como no Brasil, é recebida com enorme interesse, e não só de parte de um público feminino. Acho que isto é o melhor que pode acontecer.

VB&M: LECTURA FÁCIL, de Cristina Morales, também está chamando muita atenção: conte-nos um pouco sobre esse romance e essa autora.

ES: O romance da Cristina Morales foi (e é!) uma bomba no meio das publicações em língua espanhola. Não consigo comparar o livro (nem a autora) com nenhum outro. Ganhou o Prêmio Herralde em 2018 – um dos prêmios mais prestigiosos da literatura espanhola –, e, no ano seguinte, ganhou o Prêmio Nacional de Narrativa. Foi mesmo impressionante, ninguém estava à espera de algo assim. Premiaram uma autora anarquista que grita contra qualquer forma de desvalorização (das mulheres, das pessoas descapacitadas, no trabalho, na família…). Sabemos todas que o livro é muitíssimo especial, que viaja em outra galáxia. Estamos a vender os direitos para várias línguas do mundo _ italiano, português, alemão, francês, grego, inglês…

VB&M: Você escreve perfeitamente em espanhol, português, italiano e em inglês. Para você, qual dessas línguas é melhor de ler?

ES: Eu acho que chegados a este ponto, não consigo escrever bem em nenhum desses idiomas, nem em italiano, que é a minha língua mãe! Na verdade, consigo ler sem problemas em qualquer uma delas, e isso é maravilhoso, pois para mim aprender uma língua sempre foi uma desculpa para aprender a ler nessa língua.

VB&M: Em espanhol, português e italiano, que são como primeiras línguas para você, aponte, por favor, um único livro que considere essencial e que tenha sido determinante em sua formação.

ES: A pergunta mais difícil ficou para o final! Há tantos livros que me marcaram que não vou conseguir responder só com um. Vou fazer trampa e digo um livro para cada uma das três línguas: “Nada”, de Carmen Laforet; “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago; “Lessico famigliare”, de Natalia Ginzburg. Mas sinto que há outros tantos que não estou a dizer…

VB&M: E do catálogo da VB&M, você tem um livro preferido?

ES: Adorei A VIDA INVISÍVEL DE EURÍDICE GUSMÃO, da Martha Batalha, e SONATA EM AUSCHWITZ, da Luize Valente.