Miguel Sader
Foi divulgada no último fim de semana a lista dos 100 livros mais notáveis de 2020 pelo The New York Times. A tradicional seleção do jornal traz, ao final de todo ano, os títulos que mais se destacaram não apenas pelo desempenho comercial mas pela relevância literária. E o anúncio é sempre aguardado ansiosamente por leitores ávidos para incrementar suas listas e por profissionais do mercado editorial atentos ao que está em alta. De todos os que foram listados, chama atenção um em especial, que conseguiu disputado lugar no top 10, SHAKESPEARE IN A DIVIDED AMERICA: What His Plays Tell Us About Our Past And Future, do professor de Literatura da Columbia University James Shapiro.
O subtítulo pode até enganar, dando a entender que o foco de Shapiro está na obra shakesperiana, mas a verdade é que o livro fala mais sobre a história dos Estados Unidos do que qualquer outra coisa. A proposta do livro é absolutamente original: analisar grandes acontecimentos da história americana a partir das mensagens passadas pelas peças escritas pelo Bardo. Todos os tópicos mais importantes na formação do Estado e da sociedade norte-americanos são contemplados no livro. Para se falar de discriminação racial, por exemplo, Shapiro recorre a Otelo. Questões de gênero, são analisadas em paralelo com Kiss Me, Kate.
Juntando dois elementos de tamanha complexidade, Shakespeare e Estados Unidos, o resultado não poderia ser outro que não um dos livros de não-ficção mais interessantes dos tempos atuais. Após a publicação de SHAKESPEARE EM UMA AMÉRICA DIVIDIDA, em março, o Times logo consagrou o trabalho de Shapiro com uma resenha brilhante. Como destacou o resenhista David Ives: “O livro de Shapiro é a história, mas não a história distante. É uma história contínua e ainda dolorosamente relevante.” Mais do que um livro de história, trata-se de um ensaio literário sobre os temas mais candentes da contemporaneidade.
Bem americano, é verdade, mas os temas abordados dão a dimensão trágica da globalização – comuns a todo o Ocidente, pelo menos. Além disso, talvez nunca antes na história tenha sido tão fácil traçar paralelos entre Estados Unidos e Brasil. Os dois países têm andado pateticamente juntos em muitos assuntos, do avanço da direita mais grotesca e autoritária aos brutais casos de violência policial contra a população negra. Sem jamais ignorar as particularidades de lá e de cá, é claro, podemos dizer que ler sobre a história americana é ler sobre a nossa própria.