COMPETÊNCIA E VERSATILIDADE

Atual editora executiva da Rocco, gerente da Galera por 11 anos, quando o selo tornou-se o mais rentável e lucrativo para o Grupo Record, e uma das responsáveis pelo resgate da Rosa dos Tempos, criada no século passado por Rose Marie Muraro comprometida com a mais pioneira literatura feminista, Ana Lima Conversa Com (A) Gente sobre sua carreira, seus projetos, a transição da literatura jovem para a edição de obras gerais e os aprendizados que leva consigo dessa experiência. Ela comenta, ainda, as leituras que a formaram e as que anda fazendo, atualmente mais focada em não ficção por conta do retorno à academia e da busca mais intensa por obras desse segmento para o catálogo da Rocco. Sobre NOMADLAND, de Jessica Bruder, que ela disputou com firmeza para a Rocco, ela diz que, mais do que a reportagem que deu origem ao filme vencedor do último Oscar, é “um livro de referência sobre economia, costumes, o fim do sonho americano, a precarização do trabalho e outros assuntos que se agigantaram depois da crise de 2008”.

VB&M: Como foi a transição de editora especializada em literatura para jovens ao trabalho com ficção e não-ficção adulta? Enquanto atuava na Galera, você tinha o anseio de ampliar o campo de ação?

AL: Aconteceu naturalmente e enquanto eu estava na Galera. No final de 2017 surgiu uma ideia coletiva (das editoras mulheres) de resgatar o selo Rosa dos Tempos, selo feminista pioneiro criado por Rose Marie Muraro nos anos 1990. Um pouco depois, no início de 2019, eu voltei para a academia (na área de neurociência, comportamento e educação), o que acredito que tenha sido mais um indício de que eu tinha tanto o anseio de ampliar meu campo de ação quanto de me dedicar mais profundamente ao que está por trás do desenvolvimento do hábito de leitura e como estimulá-lo em crianças e jovens (envolvido nesse processo muita bibliografia de ciência e psicologia, claro). Foi um desafio e também um prazer começar a editar os livros que eu já gostava de ler_ a grande maioria de lançamentos do selo Rosa dos Tempos era não ficção e, na Rocco, além disso, também contrato ficção adulta com o auxílio de uma equipe, que já conhece o catálogo e é extremamente competente.

VB&M: Assumindo a gerência editorial da Rocco em outubro de 2019, pouco antes da pandemia, você, como todo mundo, enfrentou desafios inesperados. Concretamente, como se alteraram seus planos de renovação do catálogo da editora?

AL: O backlist da Rocco é muito forte e, ao mesmo tempo em que as contratações foram mais pontuais, foi feito um ótimo trabalho com os títulos fortes do catálogo pelo departamento comercial, marketing e produção, com novas edições de livros consagrados. Ao mesmo tempo, o editor de aquisição está avaliando agora o que será publicado em um, dois ou mais anos, então não se para nunca, nem na pandemia. Procuramos não descaracterizar o catálogo e investir em títulos com potencial a médio e longo prazo, que vão valorizar a lista que já temos.

VB&M: Qual foi a principal lição que a literatura jovem e os 11 anos de Galera lhe propiciaram e que se provam úteis até hoje?

AL: Trabalhar com jovens é uma escuta constante. É preciso ouvir, refletir e estar pronto para mudar de direção sempre que for preciso.

VB&M: Tendo que nomear não mais que três nomes estelares da literatura jovem-adulta, quais seriam?

AL: Suzanne Collins, David Levithan e Thalita Rebouças.

VB&M: Como editora de obras gerais na Rocco, qual é o seu foco?

AL: A ficção estrangeira na Rocco, tanto adulta quanto jovem, está muito estabelecida e temos contratado apenas o que é realmente imperdível. Tenho focado mais em não ficção, business e literatura nacional, tanto adulta quanto jovem.

VB&M: Sua profissão de fé feminista se reflete na seleção e aquisição de obras para publicação?

AL: Acredito que sim. Não significa que deixarei de avaliar ou apostar em livros que não tenham esse perfil, contanto que não estimulem violência e misoginia.

VB&M: Você é mais leitora de ficção ou de não-ficção?

AL: No momento, por conta dos estudos, mais não ficção. No entanto, não perco as novidades da Margaret Atwood, Sally Rooney e Elena Ferrante.

VB&M: Você disputou com muita determinação e levou para a Rocco os direitos de NOMADLAND, o livro de Jessica Bruder que deu origem ao filme vencedor do Oscar este ano. Que importância atribui a esse livro para a Rocco e para o público?

AL: Mais que “o livro do filme que ganhou o Oscar”, acredito que NOMADLAND seja o retrato de um tempo que tinha a maior parte de seus registros na imprensa (tanto que a origem da obra foi uma reportagem). Vejo como um livro de referência sobre economia, costumes, o fim do sonho americano, a precarização do trabalho e outros assuntos que se agigantaram depois da crise de 2008.

VB&M: Quais livros foram determinantes para sua formação?

AL: Sou um imenso mix de referências. Eu lia “Pollyanna”, Fernando Pessoa e Shakespeare. “As brumas de Avalon” e a obra da Clarice Lispector. Todos os livros policiais tipo Raymond Chandler que conseguisse encontrar. “Harry Potter” e Nietzsche. Hoje, estou sempre mudando minhas preferências literárias. Uma das vantagens do cérebro ser plástico é que nunca é tarde para aprender e encontrar coisas novas para ler e gostar.

VB&M: Qual livro você gosta de dar de presente?

AL: “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, da Clarice Lispector, sempre. “Teoria King Kong”, da Virginie Despentes, é um novo favorito.