COMO SER PEQUENO PRÍNCIPE

Narrativas & Depoimentos publica em primeira mão o capítulo de abertura de AGIR E PENSAR COMO O PEQUENO PRÍNCIPE, do escritor francês Stéphane Garnier, vendido para 18 países e a sair em breve no Brasil pela Planeta, com tradução de Erika Nogueira Vieira. Autor da série best seller internacional AGIR ET PENSER COMME, Stéphane Garnier reúne nesse livro lições de filosofia prática aprendidas com o mais célebre personagem da literatura universal.

*

SOBRE UMA NUVEM

“Todas as pessoas grandes foram um dia crianças – mas poucas se lembram disso.”

Quando foi que li O Pequeno Príncipe pela primeira vez? Eu já não me lembro.

Como todo mundo, eu sabia que já tinha lido esse livro… Mas o que guardei dele ao longo do tempo? Quando entendi pela primeira vez o que ele realmente queria me dizer? E, ainda, o que restou dele nos anos que se seguiram?

A primeira vez. A exata primeira vez. Sem dúvida.

Antes que eu crescesse. Antes que eu passasse a racionalizar as coisas. Antes que eu estivesse com os dois pés no mundo dos adultos, aquele que então me ofereciam, me vendiam, como sendo a realidade.

A exata primeira vez… antes que eu me esquecesse.

“Era uma vez o Pequeno Príncipe”, mesmo que Antoine de Saint-Exupéry nunca tenha desejado começar seu livro assim, acrescentar “Era uma vez” a esse título é como devolver a ele uma parte de sua magia, uma parte do sonho que todos nós tínhamos quando crianças. E acreditar que a magia ainda existe.

O Pequeno Príncipe é muito mais do que um livro. Para além de seu sucesso no mundo inteiro – ele foi traduzido para trezentos idiomas e dialetos –, ainda resta aquela pequena porção dele que se cristalizou em nós, em nossa infância. Essa mesma porção que, por vezes, decidimos rechaçar para o mais longe possível de nossa existência ao longo dos anos, para nos lançarmos a passos largos, assim que a oportunidade se apresenta, no caminho dos adultos.

O trajeto que precisamos seguir para nos tornarmos adultos, no entanto, ficou cada vez mais difícil de desviar à medida que avançamos.

No início, quando damos nossos primeiros passos na infância, a estrada é ladeada de árvores, flores, pássaros e campos. Depois, no decorrer do caminho, quando a idade avança, pequenas muretas se põem a delimitar as imediações, e então, mais adiante, surgem algumas sebes cuja altura não para de aumentar.

Apesar disso, o caminho dos adultos precisa ser seguido, é impossível recuar, fazer um desvio, dar meia-volta a certa altura. Deve-se seguir em frente sempre.

Depois das muretas baixas, algumas barreiras e paliçadas feitas de treliças de madeira começam a florescer ao longo da margem da estrada, antes que os primeiros muros sejam erguidos, pedra sobre pedra, cobertas por hera, e então tijolo sobre tijolo, cada vez mais altos.

Tão altos que, depois de certo momento, o sol começa a ter dificuldade de aparecer no alto para nos iluminar, para nos aquecer. E, com o tamanho dos muros, as sombras nascem, cada vez maiores, projetando-se contra as fachadas.

Quanto mais avançamos em nossa caminhada, sem ter escolha, mais nos afastamos da história e da magia do mundo de nossa infância.

Tudo então se torna quadrado, quantificado, cartesiano, lógico, real, concreto, palpável, demonstrável… Tudo tem de assumir um significado como em um tabuleiro de xadrez, entre as casas para encaixar, preencher, mover.

A única coisa que impera a esse ponto, quando se chega à idade adulta, é a visão imutável de São Tomé, que não para de repetir: “Só acredito vendo”.

A magia então para de funcionar.

É o exato oposto do mundo de O Pequeno Príncipe, daquilo que vivemos em nossa infância, inventando histórias, mundos imaginários, monstros, deuses, reis, rainhas, continentes a serem conquistados, para que nosso mundo pueril e infantil se embelezasse a cada dia, se tornasse magnífico, maior e mais brilhante diante dos nossos olhos.

O Pequeno Príncipe permanece ainda hoje, para cada pessoa, um vestígio daquilo que um dia fomos quando crianças. É a verdade profunda, antes que os anos viessem e se acumulassem.

O Pequeno Príncipe é, ainda hoje, ao relê-lo, a pedra filosofal capaz de falar com a criança que eu fui no passado.

Uma pedra filosofal capaz, se eu assim o desejar, de transformar mais uma vez a minha visão do mundo e da vida. Uma pedra mágica que atua em meu espírito, tentando transformar esses muros altos e cinzentos, que vão se estreitando nas margens do caminho da vida adulta, e fazer deles uma renda de fios dourados para que a luz volte a atravessá-los, de modo que, em cada voluta dourada, sua luz e seu calor reverberem para aquecer ainda, no meio dessa estrada da vida, o restante dos anos que estão por vir.

Não se guarda o ouro em um cofre para que ele perca seu brilho e seu valor; nós semeamos o ouro, o colhemos, e O Pequeno Príncipe está aqui até hoje para que nenhum de nós nos esqueçamos disso.

Será que somos capazes de encontrar a criança que ainda repousa em cada um de nós?

Em caso positivo, como fazer isso?

E se o Pequeno Príncipe lhe abrisse o seu diário de bordo interior… para que você retome o caminho e redescubra aquele olhar infantil em um mundo que às vezes parece enlouquecer?