CAROLINA NOVAES VOLTA A PORTUGAL

O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS (Faro, 2019), primeiro romance do advogado e defensor público, José Almeida Júnior, autor também de ÚLTIMA HORA (Record, 2018), será publicado ainda este ano em Portugal pelo Grupo Narrativa, escolha e decisão do editor André Andraus. José Almeida Conversa Com (A)Gente sobre a expectativa de ser lido na terra de Carolina Novaes, mulher de Machado e personagem crucial do romance; sobre sua trajetória; seus livros publicados e o que está escrevendo; e a presença do jornalismo e da história recente do Brasil em sua obra literária.

VB&M: Que sentimento provocou em você a notícia de que O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS será publicado ainda este ano em Portugal pelo Grupo Narrativa? Era importante para você que seu romance saísse na terra de Carolina Novaes?

JAJr: Recebi a notícia com muita alegria, porque Portugal é cenário de alguns capítulos do livro, especialmente quando Pedro Junqueira, personagem de ficção, se encontra com Carolina Novaes. Durante as pesquisas para o livro, visitei alguns locais nas cidades de Lisboa e Porto, que foram muito importantes para dar verossimilhança à minha escrita.

VB&M: Como surgiu o narrador dessa história, esse inimigo visceral do Bruxo do Cosme Velho, indigno de qualquer confiança do leitor?

JAJr: A ideia surgiu quando resolvi escrever um livro que tivesse Machado de Assis como personagem. Pesquisando a vida do escritor, descobri que Carolina Novaes, que viria a ser a sua esposa, tinha deixado Portugal em circunstâncias misteriosas junto com um músico português chamado Arthur Napoleão. O músico deixou um livro de memórias, dizendo que ocultava a vinda de Carolina ao Brasil para não manchar a honra da família. A partir dessa passagem misteriosa, resolvi construir uma ficção, preenchendo as lacunas da vida de Machado de Assis e Carolina, tendo como narrador Pedro Junqueira, o homem que odiava Machado de Assis.

VB&M: Seu segundo romance na ordem da escrita, ÚLTIMA HORA, foi publicado antes do primeiro, O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS. Como se deu esse início de carreira, quais eram suas expectativas e emoções?

JAJr: Eu comecei a escrever O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS em 2012. Assim que concluí a primeira versão em 2015, enviei os originais para a agência VB&M, com quem assinei contrato para me representar. Mas aquele ano foi muito ruim para o mercado literário, inclusive com o fechamento de muitas editoras. Então, comecei a escrever o meu segundo romance, ÚLTIMA HORA, que foi vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2017. A partir daí, algumas portas se abriram, o livro foi finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura e já está na 3ª edição. Em 2019, publicamos O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS pela Faro Editorial. O romance sobre Machado de Assis teve uma ótima aceitação, especialmente pelo público jovem, o que foi uma surpresa para mim.

VB&M: Seu próximo livro, com a construção de Brasília como pano de fundo, continua narrando a história brasileira no século XX, sempre com jornalistas e redações como protagonistas – inclusive em seu primeiro romance, a imprensa também tem papel muito importante. Curiosamente, você não é jornalista, mas advogado, defensor público. Por que essa forte presença da imprensa em sua obra?

JAJr: O jornal esteve muito presente desde a minha infância. Meu pai costumava ler muitos jornais e gibis. Curiosamente, eu me interessava mais pelos jornais do que pelas histórias de Zé Carioca. Quando entrei na faculdade de Direito, eu escrevia textos para publicar nos jornais da minha cidade. Imagino que tenha surgido daí o meu interesse em acompanhar a história do Brasil através da imprensa, o que acabou refletindo na minha literatura.

VB&M: De que maneira a sua atividade de defensor público interage com a literatura em sua vida? Há influência de uma na outra?

JAJr: Na Defensoria Pública, tenho contato com muitas histórias de vida. Ainda que inconscientemente, essas trajetórias devem influenciar na formação de personagens de ficção. Por outro lado, uso a literatura para tornar o meu trabalho de defensor público mais acessível aos usuários do serviço. Sempre que possível tento evitar o jargão empolado do meio jurídico, que particularmente acho horrível.

VB&M: Escrever – assim como ler – ficção é uma maneira de escapar da realidade brasileira? Ou de interagir com ela?

JAJr: A minha literatura costuma se passar em períodos históricos que refletem a realidade brasileira atual. Sempre me pergunto se o fato histórico tem relevância nos dias de hoje. Por exemplo, a discussão racial que trago em O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS continua presente no Brasil atualmente. Da mesma forma, os problemas políticos do governo Getúlio Vargas que retrato em ÚLTIMA HORA. Então, minha literatura procura sempre interagir com a realidade.

VB&M: Quais as três leituras mais importantes de sua vida?

JAJr: “Memórias póstumas de Brás Cubas”, “São Bernardo” e “Madame Bovary”. Já li “Memórias póstumas” diversas vezes, mas sempre me lembro do impacto da primeira leitura que fiz na juventude. Nele eu descobri o sarcasmo e a ironia de Machado de Assis. Já “São Bernardo” traz a temática do Nordeste na linguagem seca e cortante de Graciliano Ramos. ”Madame Bovary”, na minha opinião, é o romance mais bem acabado da literatura universal, não tem nada faltando nem sobrando. É o romance perfeito. Machado de Assis, Graciliano Ramos e Gustave Flaubert me formaram como leitor e me influenciaram na minha opção por ser escritor.