Misto de ensaio e memórias sobre a psoríase, LA PIEL, do escritor espanhol Sergio del Molino, acaba de sair em inglês pela Polity, enquanto a edição da Alfaguara continua sucesso de vendas na Espanha há mais de um ano. NARRATIVAS & DEPOIMENTOS traz a tradução para o português da resenha publicada em The Guardian e assinada pelo editor e crítico literário britânico Houman Barekat a propósito do livro da Polity. Com lançamento marcado na Itália, Grécia e França, A PELE reflete sobre a conexão entre a psoríase e a psique e inclui capítulos sobre personalidades como Joseph Stalin, Vladimir Nabokov, John Updike e Cyndi Lauper, entre outros que, assim como o autor, enfrentaram a doença.
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Sergio del Molino tinha 21 anos quando percebeu os primeiros sintomas da psoríase, uma doença crônica autoimune que provoca uma superprodução de células epidérmicas, resultando em descamação na superfície da pele. Essas escamas aparecem em manchas vermelhas que por vezes racham e sangram. Pelos 20 anos seguintes, Del Molino suportou considerável desconforto físico – artrite, dor nas costas, fadiga crônica – e sentia vergonha de seu corpo; evitava vestir camisetas e shorts, e mesmo no auge do verão, ele usava camisas abotoadas até o pescoço. Intervenções médicas ofereciam apenas um alívio limitado, até que um remédio chamado “adalimumab” conseguiu manter a doença sob controle.
Del Molino alcançou a proeminência literária em espanhol, sua língua materna, com um livro de memórias premiado sobre a perda de seu filho, que morreu de leucemia antes de completar dois anos. LA HORA VIOLETA (2013) – publicado em inglês sob o título THE VIOLET HOUR (2016) – é um ensaio erudito sobre luto e mortalidade. Em seu último livro, publicado na Espanha em 2020 e traduzido para o inglês por Thomas Bunstead, a história de sua doença serve de trampolim para uma ampla meditação em que o autor revisita as vidas de diversas personalidades que sofreram com a psoríase – de notáveis criminosos como Joseph Stalin e Pablo Escobar a gênios literários como John Updike e Vladimir Nabokov – a fim de explorar a conexão entre a pele e a psique.
O Grande Expurgo de Stalin, de 1936 a 1938, foi orquestrado por outros dois companheiros de psoríase – o chefe da polícia secreta Nikolai Yezhov e o promotor público Andrei Vishinski – coincidência que mereceu destaque de Del Molino: “Quais as chances de um ditador com psoríase contratar dois capangas com a mesma doença para executar seu mais ambicioso plano de exterminação?” Bem humorado, ele sugere que podemos ver a campanha de repressão como puro psicodrama – uma fantasia de vingança em escala industrial. “Tudo se resume a uma irritação na pele, dor reumática, vergonha.” Sob uma perspectiva mais leve, Updike creditou sua psoríase como a força motriz de seu talento, observando em suas memórias que “… toda vez em que na minha tímida vida eu mostrei alguma coragem e originalidade, foi por causa da minha pele.”
Um tema recorrente é a questão se a saúde debilitada determina o humor e o caráter, ou o contrário. O início da psoríase de Nabokov, durante seu exílio na França em 1937, coincidiu com seu romance extraconjugal, o que foi suficiente para convencê-lo de que tudo aconteceu por causa do estresse e da culpa e que ele deveria encerrar o caso. Ao consultar as cartas de Nabokov endereçadas à esposa, Vera, Del Molino observou que o tom do escritor muda nitidamente após ele experimentar o tratamento gratuito para a pele de um colega imigrante. “Assim que a psoríase é controlada, a irritação que contamina o mundo da pessoa também desaparece, uma abundância penetra em seu discurso e os adjetivos são atenuados.”
A grande força desse misto de ensaio e memórias temático – a pura elasticidade do formato, que permite que toda sorte de coisas díspares estejam conectadas a um conceito central – pode ser também uma fraqueza: se o gancho é tênue demais, o leitor começa a se sentir menosprezado. O capítulo de Del Molino sobre a cantora pop e colega de psoríase Cyndi Lauper, em que ele celebra seu hit de 1983 “Girls Just Want to Have Fun” e elabora um argumento persuasivo pela política radical do lazer, é uma prova disso. A conexão à psoríase de Lauper – que começou mais de 20 anos depois do auge do seu sucesso nos anos 1980 – é fragilmente frívola. Da mesma forma, o capítulo sobre cor de pele e racismo, apesar de persuasivo e original, parece um pouco deslocado do resto do material.
Para ser justo, as digressões de Del Molino são valiosas. Há uma anedota emocionante sobre a vez em que ele deu, sem querer, um cigarro para um paciente que tinha câncer pulmonar na ala de oncologia, propondo uma reflexão sobre a retórica simplista e quase militarista sobre doenças terminais: “A sociedade tem todo o tempo do mundo para os otimistas que querem lutar, e nenhum para os velhos rabugentos fumando cigarros nas alas dos hospitais.” O sentimento remete ao poderoso memoir de Anne Boyer sobre seu câncer, “The Undying (2019)”, que disseca o tema a fundo.
A ideia de uma correlação entre feiura física e moral nos leva a caminhar sobre um terreno ético traiçoeiro. Quando Del Molino especula que “aqueles que são tornados repulsivos por suas condições epidérmicas têm um desejo de transmitir suas marcas, erupções e feridas a todo mundo”, ele discorre sobre um preconceito arcaico. A cultura pop está inundada de vilões maquiavélicos que são amargos e vingativos por causa de alguma desfiguração ou deficiência. O clichê continua e reforça o preconceito capacitista, mas sua plausibilidade psicológica o torna permanentemente sedutor. A PELE abraça essa contradição entre nossos melhores impulsos e nossas ansiedades mais íntimas: nenhum de nós, por mais iluminado que seja, é totalmente imune a esses sentimentos. Duas décadas de doença fizeram com que Del Molino enxergasse a si próprio como um monstro. Quando seus sintomas finalmente desapareceram, a vergonha persistiu: “De alguma forma que não consigo explicar, ainda sou um leproso com um sino de vaca ao redor do pescoço.”