A PALAVRA CERTA NA ESTREIA

Quem acompanha os lançamentos literários brasileiros certamente já ouviu falar de Gabriel Abreu. Seu romance de estreia, TRISTE NÃO É AO CERTO A PALAVRA, recentemente publicado pela Companhia das Letras, causou furor tanto pela qualidade de sua escrita quanto pela raridade de um jovem autor fazer sua estreia por uma das maiores editoras do país. Demandam-se poucas páginas lidas para se entender o porquê desse fenômeno. Impecavelmente editado por Stéphanie Roque, o romance de Gabriel chama a atenção pela sensibilidade do autor para tratar do luto e por seu domínio da arte da escrita. TRISTE NÃO É AO CERTO A PALAVRA transita com maestria entre ficção e realidade e explora os limites da própria narrativa literária ao intercalar o texto com imagens, documentos e outras mídias de linguagem que oferecem um mergulho profundo e original na subjetividade de suas personagens. Com esse breve pingue-pongue de três perguntas da VBM para Gabriel, temos orgulho de apresentá-lo como autor da casa. Seja bem vindo, Gabriel!

VBM: Seu romance de estreia, TRISTE NÃO É AO CERTO A PALAVRA, é muito legível mas também bastante experimental e conceitual. De que maneira o texto dialoga com o leitor e com as outras artes?

GA: Durante a escrita do livro, umas das minhas maiores vontades era a de trazer para o texto a mesma força que movia o processo de investigação do material com o qual eu trabalhei, esse desejo pela descoberta, pela possibilidade de criação de uma ponte entre o passado e o presente. Acho que o livro convida as pessoas a repetir esse mesmo movimento de busca através da estrutura do romance e pelo uso de imagens, documentos e outras mídias e linguagens além da prosa mais linear. A narrativa é fragmentada e talvez até inconclusiva porque é assim também o processo de recordação da memória, algo que acontece para além do nosso controle. Meu intuito era aproximar as leitoras e leitores da experiência intensa que eu vivi durante a pesquisa e escrita do livro. Pelos retornos que tive até agora, acredito que as pessoas têm sentido esse vínculo.

VBM: Você sempre quis ser escritor ou foi algo que aconteceu sem programação? Há um projeto de carreira literária ou você prefere deixar ao acaso o futuro do seu trabalho?

GA: Foi um desejo que surgiu conforme fui me conhecendo como leitor e descobrindo a minha própria escrita. Não era algo que eu queria desde pequeno, mas que apareceu mais tarde, mais para o final da época da escola. Fui encontrando na literatura uma lente para a vida, uma nova forma de perceber os afetos, e descobri que queria tentar reproduzir nos outros aquilo que os livros causavam em mim. Acho que, por enquanto, é esse desejo que guia minhas ambições literárias, essa vontade de narrar os pontos cegos da experiência humana que por vezes nos escapam na vida real. Talvez por isso mesmo eu tenha um interesse especial pela escrita auto ficcional, essa em que se brinca (junto das leitoras e leitores) com os limites entre a realidade e a ficção.

VBM: Você está escrevendo um novo livro? Pode revelar um pouquinho do que vem por aí?

GA: Espero sinceramente estar sempre escrevendo um novo livro daqui pra frente. Mesmo que não esteja sentado escrevendo, estou constantemente acumulando imagens, gestos, sensações que vão eventualmente compor alguma coisa, o que é também parte da escrita. No momento, tenho colecionado peças que tratam do amor e do fim, e estou perseguindo algumas miragens nessa direção. O resto, felizmente, ainda está a ser descoberto.