Simone Campos, autora aos 37 anos de cinco livros já publicados, entre romances e contos, Conversa com (A)gente sobre sua carreira, que começou aos 17 com o impactante NO SHOPPING (7 Letras) e, vivendo hoje na Califórnia, sobre produção literária em solo estrangeiros, além de refletir sobre temas temas fundamentais como o machismo e o feminismo, a cibernética e o poder oculto da direita, a crise ambiental e a tragédia da política no Brasil e nos EUA. Seu próximo romance, o suspense feminista NADA VAI ACONTECER COM VOCÊ, será o segundo a sair pela Companhia das Letras, depois de A VEZ DE MORRER.
VB&M: Você estreou na literatura muito jovem, aos 17 anos. De lá para cá, são vinte anos de uma produção literária extensa e consistente que acompanha seu amadurecimento como autora. Você sempre quis ser escritora? Quais os maiores desafios e as maiores alegrias de sua carreira até agora?
SC: É muito bom realizar um sonho de infância. É meio ridículo de falar, mas com 17 anos ser escritora já era um sonho antigo para mim. Eu consegui publicar com essa idade mostrando meu livro a uma editora adequada, que o contratou. Era NO SHOPPING. Teve muita mídia, fui entrevistada pelo Jô Soares. Hoje vejo que tive sorte. Nos três livros seguintes, fiquei um pouco no limbo – ninguém sabia muito bem o que fazer comigo, tão jovem e escrevendo uns romances complexos, herméticos, cheios de camadas. Talvez tivessem um pouco de medo? Em 2011, com o burburinho da Granta de autores nacionais – em que acabei nem entrando –, surgiram propostas de quatro grandes editoras. Escolhi a Companhia das Letras, que era outro objetivo para mim, e em 2014 saiu meu primeiro romance com eles, A VEZ DE MORRER.
VB&M: Seu novo romance, NADA VAI ACONTECER COM VOCÊ, sairá no ano que vem pela Companhia das Letras. Eu o definiria como um suspense feminista. Você concorda com essa definição? O que você quer transmitir com esse livro, esteticamente e politicamente?
SC: É isso mesmo, é um suspense 100% feminista. Há uma mulher desaparecida, Viviana, e quem investiga é a irmã dela, Lucinda, uma mulher ansiosa que teve suas frustrações na vida. Ela descobre mais do que queria sobre a vida secreta da irmã – por exemplo, que ela tinha uma namorada. Mas o passo seguinte é ela se unir com essa namorada para tentar encontrar Vivi. Todos os suspeitos do crime são homens respeitáveis e/ou estrelinhas culturais que se envolveram com Vivi no passado. Eu queria principalmente desafiar aquele lugar comum da “mulher na geladeira”; também o da “donzela em perigo” e o da mulher competindo com outras mulheres. Trabalhei nele desde o comecinho com minha editora, Alice Sant’Anna, e na licença-maternidade dela, com a também excelente Luara França. Elas entenderam perfeitamente a proposta, as referências. Acho que ficou legal. Era para sair este ano, mas o COVID-19 empatou esses planos.
VB&M: Além de escritora, você também trabalha como roteirista e está adaptando um de seus romances para o cinema. Poderia compartilhar um pouco dessa experiência?
SC: O livro em questão é um tanto difícil de adaptar para cinema, então conversei com o diretor interessado e me pus à disposição para trabalhar como roteirista. Ele queria certas mudanças na história _ de locação e de época _ e, por acaso, minha experiência pessoal serviria bem como pesquisa para essas mudanças. Ele topou, e acho que vai ser uma ótima parceria. Há muito autor apegado à história original do livro que escreveu, inflexível quanto a mudanças pequenas que sejam, mas não é meu caso. Ao contrário, tem sido muito interessante trabalhar em cima da visão de outra pessoa, trocar ideias, recriar a história em outro tempo e lugar. Embora a história-base seja a mesma, desenvolvê-la em outras direções que na época do livro original eu havia abandonado tem sido muito gostoso. Gosto muito da lição da Chimamanda Ngozie Adichie sobre o perigo da história única_ e do jeito que a interpreto, até uma história que você mesma já fechou pode ser retomada depois, virando outra coisa.
VB&M: No que você está trabalhando no momento? Algum projeto sobre o qual possa nos contar um pouquinho?
SC: Estou escrevendo dois romances, ambos bastante diferentes de tudo que já escrevi. Um deles aborda um tema autobiográfico sobre o qual evitei escrever até hoje, e o outro tem alguns traços em comum com minha história recente, mais especificamente a emigração para os Estados Unidos.
VB&M: Brasileira morando na Califórnia, como andam suas emoções diante de Trump e Bolsonaro, incêndios terríveis no Pantanal e no estado americano de sua eleição, COVID-19 aí e aqui?
SC: Estou vivenciando as alterações na natureza em tempo real. Sol embaçado, dias laranjas, fumaça e tosse. Pior que sei que no Brasil viveria emoções parecidas. Ano passado, entreguei minha tese de doutorado que versa sobre literatura e games, e fala sobre o uso pela direita de temas aparentemente neutros como games para cooptar jovens, além de analisar ciberneticamente a disseminação deliberada de fake news em redes sociais e aplicativos de mensagens. Tudo isso ligado a certas concepções de masculinidade e tradição. É uma coisa mundial, que acontece de forma orquestrada e financiada. Cada vez mais sinto vontade de incorporar isso às minhas ficções de alguma forma. Já tenho livros em que trato de temas adjacentes, mas acho que posso falar mais a respeito. Morando aqui como imigrante depois de ter morado no Brasil a vida inteira, tendo terminado o doutorado, e com minha experiência em ficção, eu acabo tendo uma boa visão de campo.
VB&M: Como encara a possibilidade de escrever em inglês? É uma experiência que lhe interessa? Tem algo a dividir conosco sobre a prática da escrita numa língua distinta da dominante no lugar onde vive?
SC: Tenho experimentado escrever direto em inglês em um novo projeto de ficção. E faço isso para tentar falar também com os meus novos vizinhos, as pessoas que estão próximas de mim aqui. Eles sempre me perguntam quando vão poder ler meus livros em inglês. Não sei quando, mas espero que em breve.
Enquanto isso, eu treino. Acabei de entregar um artigo acadêmico em inglês – que espero ser aceito. Também já fiz traduções do português para o inglês, inclusive de trechos do meu próximo romance, NADA VAI ACONTECER COM VOCÊ. Aqui preciso treinar o português também, para não enferrujar. Ajuda ser casada com um brasileiro, conviver com brasileiros, assistir programas brasileiros e ler clássicos e livros recentes de literatura brasileira.