3 PERGUNTAS PARA NARA VIDAL

A COMPLEXIDADE DE NARA

Nara Vidal começou a escrever relativamente tarde, aos 41 anos, com o pé direito_ e na porta! Seu primeiro romance, SORTE, foi publicado pela Moinhos em 2018 e de cara conquistou o terceiro lugar do prestigioso Prêmio Oceanos. Com mais um romance publicado – EVA, pela Todavia em 2022 – e outro no prelo no Brasil e em Portugal, PURO, ela está para lançar também seu primeiro livro de não ficção, SHAKESPEARIANAS (Relicário), sobre as personagens femininas de Shakespeare. Nessa breve entrevista de três perguntas, ela fala um pouquinho sobre sua carreira, obra e suas personagens.

VBM: Tendo começado a escrever relativamente tarde, logo com seu primeiro romance, SORTE, você alcançou o terceiro lugar no prestigioso Prêmio Oceanos. Como se deu toda essa experiência para você? Depois da premiação, passou a sentir medo de não conseguir manter o patamar?

NV: Gosto da palavra “relativamente” para se referir ao início da publicação dos meus textos. Gosto da palavra porque, de fato, o tempo é relativo, sim. Escrever é um desses trabalhos que vai se refinando e modificando com o tempo. Algumas vezes, vai até melhorando com a experiência. Se por um lado, publiquei meu primeiro livro para um público adulto, aos 41 anos, essa mesma demora faz de mim uma novata com tão pouco tempo de caminho. E essa é, certamente, uma das razões para justificar minha completa surpresa quando meu livro curtinho, publicado por uma editora pequeníssima de Minas Gerais, ficou na semifinal do Oceanos. Fiquei perplexa e cheguei a achar que quem me deu a notícia tivesse se confundido. Quando, depois, recebi a notícia de que o livro estava na final, junto com mais nove livros entre quase dois mil títulos, foi como ganhar, para mim. Foi o que de melhor poderia ter acontecido porque um destaque assim importa muito para quem fura a bolha das editoras maiores, já que através de um prêmio e do interesse da imprensa os leitores se aproximam, outras editoras se aproximam. Quando recebi a notícia, por telefone e um dia antes da divulgação para o público, de que eu tinha ganhado o terceiro lugar, estava dirigindo e precisei estacionar. Cheguei a perguntar se era comigo mesmo que queriam falar. Cheguei a repetir meu nome no telefonema, em total descrença. Foi importante e foi, sim, uma grande alegria. Mas, depois da premiação, é trabalho como de costume. Por isso mesmo não senti medo, pressão e nem cobrança para fazer nada. Sigo sem essa preocupação. Até porque gosto de pensar nos meus textos como diferentes uns dos outros porque gosto da experimentação na literatura. Acho que se fizesse algo parecido com o SORTE, depois dele, cairia na armadilha da comparação e na repetição. Trabalhar assim não me interessa. Eu gosto mesmo é do risco, da novidade, de experimentar com formas, gêneros, vozes narrativas, temas.

VBM: Todos os seus romances tratam de temas densos e trazem protagonistas machucadas pela vida, apesar da leveza de sua escrita. De onde você tira inspiração para criar suas histórias e como chega à linguagem e à voz narrativa de cada romance?

NV: Eis uma repetição de característica! Também acho que meus romances sejam mais densos e a maioria das protagonistas, mais complexas, por quaisquer razões que sejam: por serem machucadas, ressentidas, oprimidas, reprimidas, infelizes, ingênuas. Gosto muito dessa ambivalência entre a complexidade das personagens e a clareza da fala, da linguagem. A palavra é meu principal recurso. Faço uso de cada uma por inteiro. Se uma palavra simples me basta, não preciso usar a complicada, a que ninguém entende. A linguagem que uso é como um discurso que quero comunicar, propor ao leitor. Quero que o leitor entenda o que narro para que ele/ela tenha a oportunidade de interpretar e criar uma história particular. Mas escrever de forma simples é muitíssimo difícil. Há poucos esconderijos e acessórios. Mas é como prefiro tentar. Um texto mais silencioso e que conversa baixo, porém de forma incômoda, com quem o lê. Acho que é isso que tento sempre fazer. A minha repetição.

VBM: Está para sair pela Relicário seu primeiro livro de não ficção, SHAKESPEARIANAS, sobre as personagens femininas na obra de Shakespeare. O que as mulheres de Shakespeare têm a nos dizer nos dias de hoje?

NV: Mutíssimo! Primeiro que pouco foi escrito sobre elas. Há poucos títulos sobre as personagens mulheres em Shakespeare. Essa falta de interesse, ou o interesse exclusivo pelas personagens masculinas, me diz duas coisas: que Shakespeare ficou por tempo demais sob domínio de classes mais afluentes e sob domínio de leitores homens. Gostaria muito de poder aproximar leitores de Shakespeare. Dou aulas sobre seus textos e tanta gente tem receio de não entender, de achar difícil demais. Na verdade, esse véu em cima do cânone foi também uma maneira de reduzir acesso à educação literária e artística durante muito tempo. Foi uma forma de garantir que Shakespeare fosse destinado a poucos e especiais leitores. A arrogância e a manutenção do privilégio em literaturas como a shakespeariana, por exemplo, não me interessam. Através, precisamente, das personagens femininas temos uma seleção de temas, vozes, estilos e propostas interpretativas que dialogam muito bem com questões nossas, atuais. A partir de temas que nos são caros, hoje, podemos entrar na obra de Shakespeare. Mas sempre lembrando, como disse Harold Bloom, que são as peças que iluminam as discussões e nunca o contrário.